segunda-feira, 8 de maio de 2017

O preconceito em Sergipe



90% dos transexuais estão fora do mercado formal de trabalho em Sergipe

Date: 05/05/2017

 ‘Falta de apoio familiar, pouco estudo e preconceito prejudicam o alcance de uma qualificação’, diz especialista.

Por Joelma Gonçalves do G1 


Falta de estudo e preconceito dificultam a entrada de transexuais no mercado de trabalho (Foto: Joelma Gonçalves/G1)

A pesar de toda a informação e combate ao preconceito realizado dentro da sociedade, o número de acesso de transexuais ao mercado de trabalho é quase inexistente. De acordo com a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil), cerca 90% estão fora do mercado formal em Sergipe. A falta de apoio familiar, possiblidade de estudar e o preconceito social estão entre os fatores que continuam a apontar a prostituição como uma opção e até a única possibilidade de sustento para o transexual.
A presidente Rede Trans Brasil, da ONG Astra (Aracaju) e conselheira do Conselho Nacional de Combate a Discriminação LGBT (CNCD/LGBT), Tathiane Araújo, destaca a falta de políticas públicas em relação ao assunto e a necessidade de um esforço da sociedade para que travestis e transexuais sejam respeitados.

“Para essas pessoas são negados todos os seus direitos, inclusive o da educação”, diz a presidente da Rede Trans Brasil , Tathiane Araújo

“É preciso desconstruir o imaginário em relação ao preconceito. Para essas pessoas são negados todos os seus direitos, inclusive o da educação. Por falta de condições financeiras e do próprio preconceito, a grande maioria abandona os estudos. Atualmente 90% dos transexuais estão fora do mercado de trabalho em Sergipe, uma realidade que é compartilhada com outros estados do Brasil”, alerta Tathiane Araújo.

Outro ponto destacado pela presidente é a violência a que travestis e transexuais estão expostos. “A sociedade já é naturalmente vítima da falta de segurança do país, mas o travesti e o transexual está ainda mais exposto a essa violência, pois existe uma violência gratuita em virtude da escolha do seu gênero”, explica.


 Silvania diz que empresas ainda não aceitam a diversidade em seus quadros de trabalho (Foto: Arquivo Pessoal)

A batalha pessoal para entender e aceitar a sua sexualidade é somente um dos desafios enfrentados na vida de quem assume uma mudança de gênero. “As pessoas esperam que a profissão do travesti esteja relacionada a prostituição ou a beleza. Eu não tenho nada contra a essas escolhas, mas não me identificava com elas e decidi trabalhar como conselheira tutelar. Para conseguir, enfrentei uma eleição e cheguei a ouvir que não iria ganhar, pois ali não era lugar de travesti”, analisa Silvânia Santos, a primeira transexual a assumir a função de conselheira tutelar em Sergipe.

“Nenhuma empresa quer um travesti em seu quadro de funcionários. Mas elas precisam trabalhar a diversidade dentro desse ambiente. Luto contra esse rótulo de só podemos se uma coisa ou outra. O lugar de travesti é em qualquer lugar que quiser”, diz Silvânia.

Para a assistente social, educadora e também transexual, Maria Eduarda Marques, o berço de todos os desafios enfrentados por quem se enxerga como trans passa pela família, depois pela escola e consequentemente chega ao mercado de trabalho. “É importante entender que a falta de apoio e compreensão da família retira da pessoa a base para seguir estudando e se qualificando para a vida adulta. Não é só a questão do mercado de trabalho não ofertar vagas, mas sim de construir um caminho concreto para que essa qualificação aconteça”.




Luciana destaca a aceitação de seus empregadores a decisão dela se tornar trans (Foto: Arquivo Pessoal)

Na contramão de muitas transexuais, Luciana Barbosa, trabalha em um escritório comercial e diz que os patrões foram grandes parceiros em sua transição de gênero. “Trabalho na empresa há nove anos e cheguei como Lúcio. Somente aos poucos fui fazendo a minha transição pessoal e eles me apoiaram em todas as etapas”, destaca.

Luciana se acha uma pessoa de sorte e lamenta que maioria das trans que conhece não consigam construir uma carreira profissional. “Eu tive sorte, mas sei que é muito difícil conseguir um trabalho. Tem pessoas que poderiam ter um futuro promissor, são qualificadas, mas não conseguem trabalho e acabam se prostituindo para conseguir o seu sustento”, lamenta.

Para quem está nas ruas o início na prostituição acontece quase de forma natural. Uma realidade que aparece como a única possibilidade para quem muitas vezes foi expulsa de casa, não possui estudo e um trabalho que possibilite a manutenção das suas despesas pessoais.

“Saí de casa aos 16 anos quando me descobri trans e meus irmãos – que me criaram desde a morte dos meus pais – não me aceitaram. Fui morar com uma amiga, que se transformou na minha mãe. A prostituição não é escolha. Sem estudo e em virtude do preconceito fica difícil conseguir emprego. Parei de estudar na 6ª série, mas sonho em abrir o meu próprio negócio, um pensionado para receber transexuais e todos que precisassem”, diz Nycoly Furacão Marques Santos, que há 12 anos se prostitui em Aracaju.

Apesar dos perigos a que está exposta, Nycoly reforça que o preconceito é uma das piores situações da rotina. “A minha segurança sou eu e Deus. Não sabemos se vamos voltar para casa. Faz pouco tempo que fui ameaçada por um comerciante com um facão, denunciei e estou aguardando o resultado das investigações da polícia. Mas, apesar disso, o que dói mais é o preconceito do dia-a-dia”, desabafa.

Longe das ruas, com duas faculdades e prestes a concluir o mestrado em Educação na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Adriana Lohanna dos Santos, diz que ao longo dos estudos foi e ainda é vítima do preconceito social em virtude da sua mudança de gênero. “Me formei em Letras e Português em uma universidade particular da capital, onde me proibiram de usar o banheiro feminino e queriam proibir de colocar o meu nome do social no trabalho de conclusão de curso. A minha formatura lá foi um tipo de resistência diante de tudo o que aconteceu durante o curso. Nunca fui aceita”, lembra.

Adriana concluiu ainda o curso de Assistente Social na UFS, mas segundo ela, apesar de tantas conquistas no mercado de trabalho as coisas não foram mais fáceis. “Em meu trabalho mais recente uma aluna descobriu a minha transexualidade contou aos pais e a mãe disse que não permitia que eu estivesse ali dando aula. A prefeitura tentou me afastar da escola me transferindo para uma outra unidade em um povoado do município. Entrei na Justiça e perdi, pois a entenderam que esse direito da minha transferência pertencia ao contratante. Com tudo isso, o meu sonho de ser professora virou um pesadelo. Entrei em depressão e há dois anos estou afastada das minhas funções”.

Responsabilidade social

“O que temos percebido é a incapacidade do acolhimento que as famílias têm diante dos seus filhos ou de seus familiares que estão na condição de pessoa trans. Compreendemos que existe preconceito social e desconhecimento do que seria a transexualidade, a vivência de gêneros com relação também a travestilidade e que essa dificuldade – de acolher integralmente e incondicionalmente – independente do julgamento. Quando isso acontece, provoca um efeito dominó e repassa para o ambiente comunitário e até escolar”, explica a psicóloga social Liciane Melo Drapala .

A especialista reforça ainda o que esse desdobramento do preconceito dentro do ambiente escolar pode provocar. “Nas escolas percebemos também a cultura de exclusão das diferenças e reação que provocam a evasão escolar, seja pelo bulling, ou pela exclusão da rotina escolar. Não sendo acolhida na família, na escola a pessoa acaba sendo relegada a uma exclusão social. E, futuramente chegando a perder a moradia, ter dificuldade de materializar uma profissão e em consequência manter um vínculo de trabalho formal”.

Liciane citou ainda outro fator de preconceito relacionado vividos pelos trans. “As instituições religiosas de apoio comunitário têm contribuído com a exclusão. Em algumas é prometida uma possível ‘cura’, quando não existe uma cura para ser realizada, já que não existe uma doença. Usando o exemplo da homossexualidade, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu na década de 80 que não é uma doença. O que tratamos é o sofrimento que a pessoa sente por conta do preconceito social. Enquanto sociedade precisamos acolher e tentar entender, independente de enquadrar e normatizar. Quando temos um movimento de solidariedade, amor, empatia e respeito, a sexualidade ou a expressão de gênero não fazem diferença porque os valores sustentam todo o tipo de convivência”, finaliza a também assessora técnica de pesquisa do Conselho Regional de Psicologia da 19ª Região (CRP19/1664) e voluntária do Projeto de Ambulatório de Saúde Integral da Pessoa Trans, no município de Lagarto.

Denúncia x Ministério do Trabalho
De acordo com Christian Linhares Constantino da Silva, chefe da divisão jurídica da Procuradoria Regional do Trabalho da 20ª Região, dados do sistema de acompanhamento processual mostram que nos últimos cinco anos houve autuações de 05 procedimentos e/ou ações judiciais referentes a casos de gênero e 04 de orientação sexual.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) orienta que vítimas de discriminação em relação à sexualidade no ambiente de trabalho podem e devem denunciar.

Para formalizar a denúncia, basta comparecer à sede do MPT na Av. Desembargador Maynard, 72, no Bairro Cirurgia em Aracaju (SE). O atendimento acontece de segunda a sexta-feira, das 8h às 14h. A denúncia pode ser feita de forma anônima. Há ainda a possibilidade de registrá-la através do site do MPT.

Além disso, os procuradores do trabalho fazem o acompanhamento do que é noticiado pela imprensa. Caso percebam situação de abuso em relação ao trabalhador, o MPT inicia a apuração dos fatos por contra própria.

Informação e apoio

Astra LGBT
Travessa Porto Alegre II, 20, Bairro Siqueira Campos em Aracaju.
Telefone: (79) 3041-1303.

Associação de Travestis e Transexuais na Luta pela Cidadania (UNIDAS)
Rua da Integração, 212, Térreo, Bairro Luzia em Aracaju.

Ambulatório da Pessoa Trans em Lagarto
O local atende trans de todo o estado.
(79) 3631-7076.

Associação de Defesa dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Estado de Sergipe (ADHONES)

Edifício Cultura Artística na Rua São Cristóvão, 14, 5º andar, Bairro Centro em Aracaju.
Telefone: (79) 9993-9398.

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